Anônimos da história, José Vieira de Matos

Era o ano de 1860 quando chegou de Pernambuco em Quixadá, José Vieira de Matos. Homem branco, estatura mediana, espirituoso, queixo largo, barba espessa, sobrancelhas grossas e bastante peludo, aparentava ter muitos bens. Vestia-se com elegância e costumava cavalgar a tarde pelo vilarejo, exibindo seu belo cavalo. Seu carisma logo conquistou a todos, e algum tempo depois casou-se com Antonia Fernandes, filha do rico fazendeiro Manoel Fernandes. Fixou-se na Serra do Estevam e envolveu-se em política, com sua influência, levava grande número de eleitores para votar em Quixeramobim, quando as eleições ainda eram pelo voto indireto.

Não demorou muito para começarem as desconfianças quanto ao seu caráter, principalmente depois que tentou matar um vendedor que foi de Fortaleza lhe cobrar uma dívida, como também pelas constantes armações que fazia para tirar dinheiro do ingênuo Sogro. Era tanto seu cinismo, que chegou a forjar uma carta em nome de um fictício irmão, dizendo que tinha uma grande herança a receber em Pernambuco, deixada pela falecida avó. Ao ser indagado porque a letra da carta era idêntica a sua, disse que fora ele quem alfabetizara o irmão, daí a semelhança.

Depois de várias supostas viagens a Pernambuco, e sempre por terra, descobriu-se que era desculpa para roubar animais pelo caminho. Em suas idas e vindas, veio a encontrar um jovem estudante de direito de abastada família de Recife, chamado Manoel Cornélio, que vinha a Quixeramobim tratar-se de tuberculose por orientação de seu médico Dr. Bellarmino Correia de Oliveira, irmão do Conselheiro João Alfredo, que se recuperara da mesma doença naquela região.

José Vieira convidou Manoel Cornélio para se hospedar em sua fazenda em Quixadá, dizendo ser esta, o próprio paraíso na terra. Na primeira parada dos dois, Manoel Cornélio não se agradando da comida preparada por seu criado, repreendeu-o severamente. O criado era um homem forte e da confiança da família, mandado com ele para protegê-lo. Ao presenciar a cena, José Vieira arquitetou logo um plano para deixar o jovem desamparado. Disse então ao criado, que o patrão estava tão zangado que o mandaria para o exército tão logo chegassem a Quixadá, com medo, pois aquilo era o que de pior podia acontecer a uma pessoa, o empregado fugiu de volta para sua terra, deixando Manoel Cornélio entregue aos cuidados, somente, do velho Romão, escravo que também o acompanhava. O primeiro passo para um diabólico plano dera certo, o jovem estava desprotegido.

Logo chegaram a Quixadá onde passaram oito dias, pois José Vieira pediu a Joaquim da Cunha, exímio artesão, que fizesse um molde da sela inglesa de Cornélio, objeto raríssimo naquelas bandas. Decorridos esses dias, o ardiloso homicida teve tempo para premeditar o plano de matar o jovem viajante. Partiram a noite, dizendo este que chegariam a sua fazenda em pouco tempo.

A um quilometro da povoação, num lugar chamado “Lagoa dos torrões” José Vieira deixou Cornélio sozinho com a desculpa que tinha um encontro amoroso, mas na verdade, ficou escondido, aguardando o momento certo para matá-lo. Era por volta de onze horas da noite quando o morador de uma casa próxima chamado Francisco Nogueira, ouviu um clamor pedindo  socorro, e em seguida uma grande gargalhada que tentava abafar os gritos. Após o acontecido, o homicida joga o corpo na lagoa e cobre com pedras. Veio daí a suspeita posterior que o crime fora praticado por mais de uma pessoa. Para disfarçar o sangue, cortou uns pés de pinhão, que solta um leite da cor de sangue, e espalhou sobre o local, e com o calor do sol da manhã, sumiram-se os vestígios.

Alguns meses depois, numa tarde após saírem da aula, um grupo de alunos vão caçar com suas baladeiras, Tonho, o mais velho, saiu na frente perseguindo uma perdiz quando deparou-se com uma ossada humana, deu um grito de pavor e paralisou diante da cena, onde ainda dava pra ver os botões de madrepérola da camisa sobre o ossos, e logo adiante, o crânio sob algumas pedras, daí se conclui que a morte foi por decapitação.

Na mesma semana um caçador encontrou numa gruta em frente a Lagoa dos torrões, aquela sela moldada por Inácio Joaquim. O escravo Romão, que foi convencido por José Vieira a dizer que fora comprado de Cornélio, foi encontrado com o mesmo indo para Sobral, bem como o cavalo da vítima encontrado com Mathias Pereira, que declarou tê-lo comprado de José Vieira. Assim, depois de um ano e sucessivos fatos, começa a justiça a agir. Todos os moradores da aldeia o acusam de ter matado Cornélio. Enquanto o Capitão José Leocádio de Menezes, na época sub-delegado, perseguia diariamente o homicida em Quixadá, a mando de José Vieira, comparsas davam nomes de pessoas corruptas ao delegado a fim de o defenderem no inquérito.

Arquitetando novo plano para livrar-se das acusações, o assassino bota o jogo de baús do morto, o quais tinham suas iniciais, em um cavalo manco e doente, e com a desculpa de ir ao interior foi pernoitar na casa de Francisco Cunha, vulgo “Chicute”, em Quixeramobim. Pela manhã, estava a animal muito pior, como era de se esperar, com isso, alegou não poder mais seguir viagem deixando com Chicute o animal e os baús, pedindo que os guardasse até que viesse buscá-los.

Cordolino Barbosa Cordeiro

Todos esses acontecimentos repercutiam na pequena cidade, quando passa por ali, de volta da Assembleia Legislativa da Província, em Fortaleza, indo para Quixeramobim, o Dr. Cordolino Barbosa Cordeiro, Juiz e promotor daquela comarca. Homem fiel as leis e caráter idôneo, ao saber do que se passava censurou o sub-delegado publicamente e na presença dos defensores de José Vieira, por empreender tal perseguição. Bastou esta simples astúcia, pois o Juiz cometeu tal ato com um plano em mente, para que dias depois fosse ao encontro de Dr. Cordolino, o cunhado de José Vieira, falar sobre a acusação que pesava sobre ele. Ainda como parte de um plano secreto, o juiz mandou um ofício ao sub-delegado, ainda o criticando pela perseguição, informando que o indiciado iria apresentar-se a fim de provar sua inocência, tal documento, como era costume na época, deveria ser afixado em local público para que o acusado o lesse.

Indo depor Francisco Cabral, acusou Chicute pelo crime, pois sabia que em sua casa estavam os baús da vítima. Chamado para depor, Chicute disse que os objetos foram deixados lá por José Vieira e contou também a situação do cavalo doente. Por falso testemunho, Dr. Cordolino mandou prender Francisco Cabral. Duas horas depois, achando o vil mentiroso que nunca mais seria solto, manda chamar o juiz e declara haver sido pago para dar tal depoimento, mas que se fosse solto, além de contar toda a verdade, ainda o levaria até o assassino que estava escondido na fazenda do sogro. Contente com essa declaração, Dr. Cordolino manda prendê-lo no quartel até que providencie cavalos para ele e os soldados, guiados pelo informante, seguirem as quatro da tarde para a captura do homicida. Nessa hora caiu uma enorme chuva qur impediu a diligência, deixando-o frustrado.

Por volta de cinco da manhã, o juiz acorda com o barulho de botas e esporas na sua calçada, era José Vieira, que assegurado pelo ofício expedido anteriormente, vinha defender-se da calúnia da qual se dizia vítima. Frente a frente com o criminoso, convida-o a entrar e manda imediatamente prender o cavalo com a desculpa de guardá-lo, acena aos soldados que vigiavam a cadeia para que se aproximassem e diz a José Vieira que para defender-se, era necessário ficar no quartel, cuja guarda mandou reforçar, começando daí por diante, o assassino a sofrer as consequências do seu crime, sob a mão de um juiz enérgico e cumpridor da lei.

Concluído o inquérito, ficou comprovada a culpa do réu, principalmente pelo depoimento e um compadre seu que contou que na noite do crime, José Vieira chegou em sua casa todo molhado, por volta de quatro horas da manhã, pedindo uma muda de roupa, alegando ter perdido uma carteira com bastante dinheiro e a estava procurando antes que outro a encontrasse ao amanhecer. Contou também que a lavadeira encontrou manchas de sangue na roupa molhada. Deu-lhe o golpe de misericórdia o Dr. Cordolino, quando pediu para ver um relógio de ouro que o réu tinha no colete e dizia ser uma antiga joia de família. Tamanha surpresa foi quando constatou que a joia havia sido recentemente fabricada em Paris e em sua capa interior tinha o monograma de Manoel Cornélio, coisa que o homicida não havia visto. Revoltado com o que vira, além de ser a chave para encerrar o caso, manda prendê-lo. No dia seguinte, por ocasião do seu interrogatório, em que negou tudo, o magistrado quase não o reconheceu, tanto era seu abatimento.

Sendo julgado duas vezes, nas ambas foi condenado a prisão perpétua e em seguida encaminhado ao presídio de Fortaleza. Sofreu ainda grande humilhação quando, ele que era o mais notável e perigoso do bando, e na região, bastante conhecido, onde já fora estimado e considerado por todos, era escoltado pelo Capitão Joaquim do Carmo, outrora o pavor dos criminosos do sertão do Ceará, passava em Quixadá algemado e preso a cauda do cavalo em que montava o criminoso Capitão Bahia de Mombaça.

Da prisão fugiu ainda duas vezes, tentando na última, matar sua segunda esposa, Antonia Fernandes (que por sorte não teve filhos), pois no decorrer do processo, descobriu-se que ele era bígamo, e tentou roubar o Capitão Valentim Gomes do Riacho do Pimenta, em Quixeramobim, sendo recapturado durante o ataque.

Ia ser encaminhado ao presídio de Fernando de Noronha (PE) quando aconteceu o roubo da alfândega em 1871 e foram presos junto com ele os funcionários que tinham as chaves do cofre da alfândega. Dias depois José Vieira manda dizer ao chefe de polícia do presídio que precisava falar-lhe sobre um assunto importante, contou então que os funcionários eram todos inocentes e que o culpado era um trabalhador de nome José Pereira Livino, pois com ele trocara, na cadeia, moedas de ouro quadradas exclusivas da alfândega, exibindo-a na ocasião. Perseguido o acusado, foi alcançado e preso ainda com o dinheiro, num lugar chamado Juá, em Quixadá.

Por ter colaborado nesse caso, a pena de José Vieira passou de perpétua para vinte anos, contados os 14 que já passara, restavam somente 6 para cumprir sua sentença. No ano de 1878, quando o condenado já gozava de relativa liberdade, foi acometido pela varíola que se alastrava na cadeia. Morreu em lastimável estado, aos pedaços, quando faltavam apenas três anos para sua liberdade. Prestes a escapar da justiça dos homens, não pode escapar da justiça de divina.

Fonte: Revista do Instituto do Ceará – Crimes célebres do Ceará

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