Em 1744 vivia na aleia dos Caucaia uma índia chamada Luzia. Sua principal ocupação era ajudar nos trabalhos da igreja, onde muito devota, assistia a todos os ofícios. Sua perseverança e devoção despertou o interesse dos padres jesuítas, que sondaram seu comportamento e concluíram que ela era uma criatura tão pura quanto uma flor do campo. Seu desejo era conservar-se virgem, mas sujeitando-se a vontade de seu pai e do pároco de sua aldeia, casou-se com um índio de sua mesma etnia. Era um exemplo de mulher casada para os costumes da época, amava e respeitava o marido que lhe era infiel, mas ela sentia menos essas ofensas da traição, que as de Deus, pois para ela, casar-se foi a maior ofensa contra Deus.
Com poucos anos de casada, contraiu doença venérea do marido, e por não ser medicada a tempo, logo seu corpo ficou coberto de chagas. O marido a abandonou, deixando-a desamparada. Sentia dores terríveis, mas se consolava ao lembrar o sofrimento de Jesus na cruz, e em lágrimas, pedia a Deus mais sofrimento. Já na fase terminal de sua doença, foi chamado o padre jesuíta Rogério Canísio para dar-lhe a extrema unção. Durante o sacramento, o padre viu, que numa espécie de transe, com os olhos fixos no céu como se estivesse tendo uma visão, Luzia falava das perfeições divinas e das punições que o mundo vaidoso sofreria. Quase meia hora permaneceu assim, então levantando as mãos para o céu, fazia fervorosas orações em língua desconhecida.
Após esses fenômenos, o padre de sua aldeia pediu que ela que contasse o que havia acontecido, ao qual responder: “Vi que se abria o céu, e dele saiam 12 meninos de celestial formosura, com tochas muito alvas nas mãos, acompanhando um outro menino belíssimo e refulgente e dizendo-me que o seguisse, fui levada a um delicioso país, cuja beleza e amenidade nunca olhos alguns humanos divisarão nem terrenos ouvidos perceberão. Neste lugar, olhando para o meu corpo, vi que cada uma das chagas parecia uma flamante estrela, e cada tumor um resplandecente sol. Perguntou-me o menino se eu queria ficar naquele aprazível sítio ou tornar para minha aldeia, e respondi-lhe que ali queria permanecer para sempre, e desapareceu a visão”. Perguntada sobre o que entendia ser aquela visão, respondeu que o Senhor com ela a quisera animar a sofrer com paciência nesta vida, dores, tormentos e trabalhos para depois lhe dar o prêmio do céu.
Depois desta visão, aceitou com alegria e mais resignação ainda, todo o sofrimento, esperando o dia em que se livraria do corpo pesado de barro e receberia um corpo imortal, cheio de glória. Viveu mais um ano depois desse fato, ocupada apenas com as coisas celestiais, gozando da piedade divina e com a admiração de todos da aldeia, aos quais aconselhava com sabedoria. Tendo revelação, como se presume, do último dia de sua vida, com serenidade esperou a morte, com excessivo prazer se despediu da carne e com notável conformação entregou seu espírito nas mãos de Deus.
Fonte: Revista do Instituto do Ceará – De alguns índios e índias naturais de Pernambuco
Jaqueline Aragão Cordeiro