Antônio Silvino fazia-se respeitado de seus satélites. Disciplinava-os. Sabia assegurar a conveniente distância que deve existir entre comandante e comandados. Jamais permitiu atrocidades que não houvesse, em pessoa, determinado.
Chegara ele com a sua récua a uma fazenda. À hora do improvisado almoço, um cabra, o Tempestade, deu-se ao luxo de reclamar:
– Ô arroz insosso de todos os diabos!
Um relâmpago de cólera fulgiu nos olhos de Silvino, que, findo o repasto, foi falar à mulher do fazendeiro:
– Dona, a senhora tem sal em casa?
– Tenho, seu Capitão. Eu vi aquele homem não gostar… Vossenhoria me discurpe, me perdoe o arroz sair insosso: foi coisa do avexame, do aperreio do perparo…
… – Nhóra não, não é por isso, não: eu quero saber se a senhora me pode vender meio litro de seu sal.
– Posso lhe ceder; vender não. O Capitão leve o sal, que não lhe custa nada e é dado de gosto!
– Nhóra não, não é pra carregar, não. É um ensinamento que eu quero dar naquele cabrocha, que falou do arroz. Me vá ver meio litro, por bondade!
Atendido, Silvino pediu uma bacia, derramou dentro o sal, dissolveu com uma porção de água e, voltando ao terreiro, onde o Tempestade esgravatava a dentuça, obrigou-o, de punhal à mão, a beber toda aquela água, horrivelmente salgada:
– Isso é pra você, seu bruto, perder o costume de botar defeito no que lhe dão, de graça! Engula! Ou engole, ou morre! Comeu insosso, beba salgado, que é pra carga não ficar torta… Cabra sem criação!
Daí a pouco o Tempestade padecia sob a ação do purgante mais que enérgico…
Lampião aparceira-se com os miseráveis a quem capitaneia. Troca insultos e graçolas com eles. Falta-lhe o espírito autoritário de Silvino. Apenas na hora dos combates, é cegamente obedecido: todos creem na sua invicta estratégia de guerreiro caboclo.
Antônio Ferreira, irmão de Virgolino, também se acamaradava em excesso com os restantes componentes do bando. Um dia, Lampião mandou que o mano e mais quatro homens fossem à casa dum seu protetor e esperou no mato que regressassem. No alpendre da casa em questão, havia uma rede armada. Os cinco bandidos, empurrando-se violentamente, disputavam o gozo de alguns momentos na tipóia. Nesse ruge-ruge de encontrões, um fuzil cai ao solo e dispara, prostrando morto Antônio Ferreira, atingido pelo tiro no mamilo esquerdo.
Compungidos, os quatro criminosos voltaram imediatamente à presença de Virgolino. Conduziram o cadáver e narraram a casualidade da fatal ocorrência. Lampião ouviu-os, silencioso. A cabroeira, solidária com o chefe, censura os recém-vindos, lembrando que por via duma dessas é que o povo diz que brincadeira de home cheira a defunto… Sabino Gomes, mais perverso, insinua que a história está mal contada…
Lampião decide: não quer mais a companhia dos autores da vadiação em que morreu o Antônho. Expulsa-os do bando. O armamento, porém, era seu, dele. Exige imediata restituição. E apenas os quatro se haviam despojado das armas, Lampião, auxiliado por Sabino, os liquida a tiros e facadas.
ANTONIO SILVINO |
Antônio Silvino ou Manoel Baptista de Morais, nasceu em Ingazeira, PE, no dia 2 de novembro de 1875 e faleceu em Campina Grande, PB, no dia 30 de julho de 1944, na casa de uma prima. Era filho de Francisco Batista de Morais e Balbina Pereira de Morais.
Inicia-se no cangaço em 1896, juntamente com o irmão Zeferino, após a morte do pai, o bandoleiro “Batistão do Pajeú”. Adota o nome de guerra de Antônio Silvino em homenagem a um tio, Silvino Aires Cavalcanti de Albuquerque, também bandoleiro.
Foi preso em 1914, durante o governo do general Dantas Barreto. Tornou-se o prisioneiro número 1122, da cela 35, do Raio Leste da antiga Casa de Detenção do Recife, teve comportamento exemplar. Em 1937, é libertado através de um indulto do presidente Getúlio Vargas.
Fonte: Wikipédia