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Jaqueline Aragão Cordeiro
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CONTOS DE LEONARDO MOTA – “O CASTIÇAL”

Jaqueline Aragão Cordeiro, 4 de agosto de 20135 de maio de 2014

Quando Lampião ocupou a povoação baiana de Abóboras teve a fantasia de exigir que lhe trouxessem e a seus cabras onze mulheres amigadas. A localidade não contava com tal número de concubinas, pois graças à ação dos padres no confessionário e no púlpito, vão rareando os amancebados.
Ele satisfez-se com as três ou quatro que lhe foram levadas e condescendeu em deixar em paz as matronas e donzelas. Formou, em seguida, um samba orgíaco, todos os figurantes em trajes paradisíacos, como é de seu gosto.
Os bandidos, sem exceção de um só, ficaram completamente bêbados. A povoação possui algumas dezenas de homens válidos, vigorosos. Se oito ou dez desses homens se dispusessem, já não digo a matar os onze cangaceiros, mas a amarrá-los e prendê-los, isso teria sido conseguido, pois no estado de embriaguez em que os criminosos se encontravam, quase nula reação haveriam de opor. Mas, este nome Lampião é o espantalho de milhões de almas no sertão nortista!
Pouparam-no em Abóboras. Dias depois, no lugar “Carro Quebrado”, ele praticava infâmia de fuzilar nove homens indefesos que trabalhavam numa estrada de rodagem. E liquidava, a faca, os sete soldados do destacamento de Queimadas, de cujo comércio extorquiu vinte e quatro contos de réis.
Nessa última façanha ignóbil, culminou a sua perversidade. Apanhados de surpresa, os soldados se lhe haviam rendido, sem resistência. Lampião meteu-os num cubículo e, ao escurecer, de um em um, os fez retirar para o oitão da cadeia.
– Sabe que vai morrer? perguntava ao que chegava.
O infeliz pedia-lhe compaixão, em súplicas da maior humildade, em rogos da maior angústia. Fingindo-se apiedado, ele ordenava:
– Pois, então, tire as suas perneiras, que eu preciso delas.
Quando o desgraçado se curvava para as desabotoar, traiçoeira punhalada pelas costas o prostrava. E Volta Seca ia sangrando na garganta os apunhalados. (Um parêntese. Volta Seca é o benjamim da horda, quase uma criança. Não tem dezoito anos. Verdadeiro criminoso nato, vive carrancudo, alegrando-se apenas quando dá expansão aos instintos sanguinários. Chama a Lampião de “padrinho” e este o considera o seu “menino de confiança”.)
Ainda em Queimadas, após haver dado liberdade aos presos sentenciados, Lampião insultou estupidamente o Juiz togado, a quem chamou de “negro” e obrigou a servir-lhe água e café…
Virgolino nada põe à boca, sem que obrigue a pessoa que lhe apresenta a comida ou bebida a servir-se primeiro.
– Veneno pra eu véve por aí banzando! Costuma repetir, precavido contra qualquer traição.
No sertão pernambucano, uma mulher pretendeu envenená-lo. Lampião convidou-a a beber da cachaça em primeiro lugar. Ela desculpou-se, alegando que estava purgada. Virgolino tirou do embornal uma colher de prata e meteu-a no copo. A colher enegrece. Lampião percebe a cilada, agarra pelos cabelos a ousada sertaneja, amarra-a ao tronco de uma árvore, embebe-lhe de querosene as vestes e queima-a viva, desfechando-lhe, por fim, um tiro de misericórdia no seio estorricado.
A fruir a sua liberdade, com a sorte inaudita de sempre despistar os que o procuram, gosta ele de fazer picardias aos agentes do Governo. Na noite em que surpreendeu com a sua presença os frequentadores do cinema de Capela, em Sergipe, dirigiu-se, a desoras, ao Posto Telefônico e obrigou o respectivo funcionário a chamar, na Capital, o Chefe de Polícia do Estado.
Informaram de Aracaju que, àquela hora, quase madrugada, o mencionado auxiliar do Presidente Manuel Dantas estava a dormir em sua residência, sendo impossível a ligação solicitada. Lampião riu-se e deixou-lhe um recado atrevido e grosseirão, atenuado com o reparo trocista de que a polícia dormia, enquanto ele velava e fazia ronda…
São inumeráveis os fatos em que Virgolino tem patenteado a hediondez da sua alma de monstro. Entre essas práticas infames se inclui a de cortar os beiços dos assassinados, “pra que os defuntos fiquem se rindo”…
O antigo Deputado Federal, Dr. Vergne de Abreu, que esteve no sertão baiano, quando Lampião ali praticava atrocidades inconcebíveis, dá-nos conta, no livro “Os Dramas Dolorosos do Nordeste”, de alguns fatos horripilantes, quais sejam o de Virgolino haver castrado quatro rapazes em Tucano, e o de Lampião e quinze cabras haverem, em Baixão do Carolino, cevado sua lubricidade numa virgem, a qual veio a falecer no dia seguinte. O suplício dezesseis vezes sofrido pela infeliz donzela foi testemunhado por sua mãe velhinha, a cujas extorções de piedade para a filha desditosa foram insensíveis os dezesseis demônios. Outra infâmia de Virgolino foi surrar na fazenda “fundão” o octogenário Joaquim José dos Santana, em cujas costas o perverso tatuou uma cruz, a punhal, depois de ter cortado os tendões dos pulsos do ancião, para que o mesmo ficasse irremediavelmente aleijado.
No sertão baiano, mandou Lampião preparar um ferro, uma marca de gado, com as iniciais V L (Virgolino Lampião) entrelaçadas. Quando uma donzela lhe resistia à luxúria, ele mandava aquecer o ferro. E quando o ferro estava em brasas, ele ferrava nas coxas e nádegas, como reses suas, as virgens sacrificadas, “éguas brabas”, no seu repulsivo falar.
No interior do município de Curaçá, ele ferrou duas moças que logo lhe não satisfizeram o desejo. Uma delas era noiva e enlouqueceu. Um cabra de Lampião contaminou de mal venéreo a viúva, mãe de ambas. Dias depois, as três desgraçadas tabaroas chegavam à cidade de Juazeiro. Foi uma cena pungente: a viúva dizia-se desonrada e pedia um remédio pra… morrer; a louca proferia coisas desconexas, em que se baralhavam os nomes do noivo e de Lampião; a outra mocinha, debulhada em lágrimas, chorava o seu infortúnio irreparável.
Do longo capítulo que sobre Lampião escrevi no livro “Sertão Alegre”, consta a proeza de Virgolino haver assaltado uma casa em que se festejava um casamento, e obrigado os noivos a dançarem despidos, completamente despidos, na sua presença.
Houve, no Rio, quem duvidasse da autenticidade de semelhante episódio. Objetou-se que, figura legendária, a Lampião deviam ser atribuídas muitas façanhas que jamais lhe passaram pela mente. Entretanto, o fato em apreço é absolutamente verdadeiro. A ele se referiu também o poeta popular José Cordeiro, pondo esta confissão na boca de Virgolino:
No distrito Cajazeiras,
Perto do lugar Tatus,
Em um casamentos eu fiz
Os noivos dançarem nus,
E no meio do pagode
Mandei apagar a luz…
Eu me encontrava, em agosto do ano passado, nos sertões da Bahia, quando ao “Diário de Notícias”, de São Salvador, o Cel. Antônio Soares Monte Santo, fazendeiro em Canudos, concedia uma entrevista sobre acontecimentos desenrolados durante a estada de Lampião em terras baianas. Transcrevo-lhe este trecho:
– “Foi em Pedra Branca. Ali assaltou ele uma casa de família. Armou o samba. Fez quatro mocinhas despirem-se. E tocaram a sanfona. Houve bebidas e sacrifício das infelizes sertanejas.
– Horrível!
Mas verdadeiro. E não foi tudo. Uma emboscada atraiu subdelegado. Este quis manter-se como autoridade. Foi batido, violentado, vítima de um atentado infame que o levou quase morto ao hospital de Juazeiro”.
O primeiro tópico por mim grifado mostra que Lampião é useiro e vezeiro na canalhice de obrigar donzelas a se desnudarem publicamente. O segundo alude a um atentado infame, que certamente o jornalista não se animou a registrar. Faço-o eu, para que se não perca esse documento do espírito demoníaco do até hoje impune do flagelador dos sertões. Lampião forçou o subdelegado de Pedra Branca a ficar nu em pelo, introduziu-lhe uma vela no ânus, acendeu-a depois e, obrigando a vítima a passear pela sala, deixou que a vela quase se consumisse, queimando o pobre homem, em meio às gargalhadas e chacotas da cabroeira encachaçada.
Como não há narrativa trágica que o tabaréu não sublinhe comicamente, o sertanejo que primeiro me garantiu a veracidade desse fato, cuja confirmação tive mais tarde, balançava a cabeça e me dizia:

– Patrão, vamincê vigie só a que é que nossos governos deixam sujeito o pobre sertanejo! vigie só de que é que Lampião anda fazendo castiçal…

Fonte: Nos tempos de Lampião, Leonardo Mota, 1930 (O livro contém onze contos sobre Lampião)



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