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Coisa de Cearense
Jaqueline Aragão Cordeiro
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Entre histórias, cultura e os caminhos do nosso turismo, celebramos os encantos do povo cearense: saberes, curiosidades e tradições que embalam a alma do nosso lugar.

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CONTOS DE LEONARDO MOTA – “UM PRECURSOR DE LAMPIÃO”

Jaqueline Aragão Cordeiro, 28 de setembro de 20135 de maio de 2014

Na primeira metade do século passado[1], um negro foi o terror do sertão baiano. Era o Lucas da Feira, assim chamado por ter sido o município de Feira de Santana teatro de toda a sua atuação delituosa.
Durante vinte anos, Lucas foi o assombro, o pesadelo dos sertanejos. Contaram-se por centenas as suas vítimas. O negro salteador, ladrão e assassino, raptou e violentou inúmeras donzelas, matando-lhes os pais e irmãos, se estes ofereciam resistência à sua lubricidade.
Há uma lenda, segundo a qual Lucas começou a esmorecer no seu fadário repelente, depois que, ao passar pela sepultura duma virgem que assassinara e enterrara no mato, sentiu um perfume delicioso e viu de cima da cova levantarem o vôo um bando gárrulo de pombas brancas. Isso lhe teria, desde então, irremediavelmente quebrantado o ânimo feroz.
As façanhas desse precursor de Lampião perduram na tradição oral dos feirenses. Quando entre eles estive, não me foi difícil reunir as notas que estão propiciando o tracejamento destas linhas.
O velho tabaréu a quem perguntei se Lucas era valente deu um muxôxo e contestou:
– O que ele era, era um grandessíssimo desalmado. Era perverso, era levado do não-sei-que-diga, mas era frouxo: mijou-se todo na hora da morte…
Não lhe quis obtemperar que a micção e natural nas mortes por enforcamento. Preferi deixá-lo desatar a língua, a seu modo:
– Lucas foi o diabo em figura de cristão, Deus o perdoe! Aquilo não era gente. Uma vez ele agarrou num negro beiçudo na estrada e sabe que é que fez com ele? Prendeu com prego caibral o beiço do infeliz numa árvore. Quando acabou, disse ao suplicante que ia não sei aonde e mais tarde voltaria para o capar. Foi ele se afastar, o negro fez fincapé, raspou o beiço e ganhou o mundo na carreira, porque só assim se livraria da outra ameaça, a mais perigosa. E sabe? O Lucas estava numa moita escondido e se rindo: ele queria era que o negro mesmo rasgasse o beiço… Doutra feita, batendo palma e cantando, ele fez uma mulher grávida dançar, dando umbigadas nos estrepes dum pé de mandacaru! Aquele Lucas foi o cão em pintura de gente. Encontrando-se, um dia, com um miserável que vinha aqui pra Feira, trazendo uma carga de chicotes pra vender, ele fez o desgraçado botar a carga abaixo e com cada chicote deu-lhe quatro, cinco lambadas de arrancar couro e cabelo. Quando cansou o braço, explicou: – “Isso é pra, quando você tiver de vender os seus chicotes, poder garantir, de ciência própria, que eles são bons”…
– E foi fácil prender o Lucas da Feira?
– Qual fácil! Foi o diabo! O Governo da Província chegou a prometer um prêmio de não sei quantos contos de réis a quem desse conta dele, vivo ou morto. Mas o negro, pra se esconder, tinha pauta com o capiroto. Quando ele foi preso, houve um festão que durou três dias aqui na Feira. Gente que nunca tinha dançado desenferrujou as canelas! Na ocasião em que ele, com as pernas amarradas por baixo da barriga dum cavalo, entrava na cidade, os sinos das igrejas tocavam que parecia chegada de bispo, o foguetório nos ares, não ficou ninguém dentro das casas e deu-se, até, o milagre de um paralítico, um entrevado, sair correndo de rua afora, só pra ir ver o Lucas…
– E quem foi que o conseguiu prender?
– Foi o Cazumbá. Esse Cazumbá era um oficial de justiça criminoso que, com a promessa de perdão do crime e com o olho no dinheiro do prêmio, perseguiu e prendeu o Lucas. Na hora da prisão deu-lhe dois tiros no braço esquerdo. O braço arruinou e os médicos tiveram de o cortar. Dizia o finado meu pai que foi coisa engraçada… Depois da operação, um menino pegou o braço do Lucas e saiu correndo pra rua, pra mostrar ele ao povo. Um sapateiro correu em casa, trouxe uma palmatória e esmagou com “bolos” de sustância a mão do Lucas, o povo todo achando graça nisso, satisfeito…
E a sorrir, também, e como que a despertar reminiscências, o velho feirense concluiu:
– Sim, eu ia me esquecendo: sabe quem foi o carrasco do Lucas, na hora de ele ser pendurado na força do Campos do Gado? Pro Sr. ver as voltas que o mundo dá! A justiça de Deus tarda, mas não falta. Quem faz neste mundo, aqui mesmo paga. O carrasco do Lucas foi um rapaz cujo pai o Lucas tinha assassinado e cujas três irmãs o Lucas tinha desonrado, quando esse rapaz inda era meninote…


[1]Século XIX

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