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O assassinato do Cap. Barbosa Ribeiro e o poder dos Feitosas

Jaqueline Aragão Cordeiro, 15 de novembro de 201120 de julho de 2017

UM FUNCIONÁRIO A PASSEIO COM SUA FAMÍLIA – DEBRET

O capitão Barbosa Ribeiro foi morto na manhã do dia 3 de março de 1795. Seu corpo, levado para a residência do escrivão, mostrava sinais de violência, com as marcas das facadas, pauladas e tiros que levara; sofrera até mutilações. A imagem do cadáver estendido sobre uma mesa era terrível: do seu pescoço muito ferido e banhado de sangue pendia a cabeça quase decepada.

A atmosfera era de gravidade e formalidade, já que o capitão era a autoridade central da Coroa portuguesa naquela localidade – atualmente região de Ipú – e tinha como função nada menos do que combater a ação de grupos armados. Sua morte representava a dificuldade do Estado em manter o controle policial do território cearense.

O assassinato ocorreu no tribunal onde transcorriam vários julgamentos, além de ser a residência do juiz. Os criminosos invadiram o local arrombando várias portas a machadadas. Quando os trinta homens entraram, dois colegas de Barbosa Ribeiro ainda tentaram defendê-lo, mas não conseguiram evitar a morte do juiz: um acabou ferido e o outro morreu.

Logo depois do desfecho trágico dessa invasão, começaram as buscas pelos autores do crime. A investigação foi concluída em 1796. Depois da condenação dos primeiros acusados, uma Ordem Régia, escrita no dia 10 de junho de 1800, solicitava a prisão dos assassinos ao então governador da capitania, Bernardo Vasconcellos.

A Ordem, assinada pelo príncipe regente D. João, demonstra a preocupação da Coroa em punir o atentado contra o poder instituído. Segundo a carta, a prisão do bando era importante porque significaria a pacificação daquele sertão. Era preciso combater as ações ousadas dos “pequenos reis” para confirmar a autoridade real portuguesa. Prender os acusados era uma questão estratégica para restabelecer a soberania sobre o sertão do Acaraú.

A carta apontava ainda a inoperância das autoridades, já que os acusados tinham sido indiciados quatro anos antes e ainda não haviam sido mandados para a prisão. O governador da capitania do Ceará mostrava incompetência para efetivar a tarefa.

O capitão-mor da Vila Nova D’El Rei, Bernardino Franco, não tinha dúvida quanto aos autores e aos motivos do crime. Para ele, o culpado era Felipe Néri, pois o juiz teria perseguido a família do acusado, prendido seus parentes e matado um de seus filhos. A correspondência entre os administradores da capitania do Ceará e o Conselho Ultramarino, no entanto, não trazia muitas informações sobre Néri, apenas destacavam o fato de este ser cabra, logo, socialmente menos qualificado.

O ouvidor da comarca não se deu por satisfeito com o lançamento da condenação dos primeiros acusados e considerou que outras pessoas estavam envolvidas no assassinato. Desta vez surgiam os nomes de duas figuras influentes e poderosas na região: o Coronel Manoel Martins Chaves e seu sobrinho, o capitão-mor da Villa Nova D’El Rei Bernardino Franco, o mesmo que apresentara certeza sobre a culpa do cabra Néri. Ambos pertenciam à abastada família Feitosa, que fez dos Sertões dos Inhamuns seu domínio.

A força dos Feitosa se sustentava na fragilidade do Estado português. A concessão real de sesmarias e de cargos administrativos foi uma estratégia utilizada por grandes redes familiares para impor seus domínios na capitania cearense. A posse da terra e a manipulação da Justiça local faziam desses homens verdadeiros reis do sertão.

O ouvidor apontou os acusados e, ao mesmo tempo, reconheceu sua incapacidade de puni-los: “que a suspensão do Capitão-mor seja mandada por Vossa Excelência para maior respeito, temor e autoridade, e para me livrar a mim deste procedimento, pois também tenho algum receio”. O ouvidor justificava seu temor em relação à prisão dos acusados afirmando que eles viviam nas fronteiras com o Piauí e contavam com o apoio de “300 cabras facinorosos armados”. As autoridades coloniais cearenses alegavam dificuldades para a prisão dos condenados, que tinham “infinitos” parentes e agregados.

Mesmo com receio, D. Diogo de Souza, governador do Maranhão, deu início à perseguição para prender Bernardino, encarregando da tarefa José de Vasconcellos, que era seu amigo. O governador acreditava que essa proximidade facilitaria a empreitada.

A ideia não foi muito boa: por amizade, José de Vasconcellos mostrou a ordem escrita de prisão ao próprio Bernardino. O acusado soube iludi-lo de maneira perspicaz; disse não ter medo algum de se apresentar no Maranhão, mas pediu para ir ao distrito cearense do Acaraú a fim de buscar algum dinheiro em casa de parentes. Chegando ao Ceará, Bernardino fugiu para a Bahia e de lá atravessou o Atlântico, ancorando em terras lisboetas. Mas a tentativa de fuga acabou em prisão: em 1801, ele foi levado para a cadeia de Limoeiro, na capital portuguesa.

A detenção do coronel de cavalaria Manoel Chaves contou com a iniciativa pessoal do governador cearense, João Carlos. Em 1810, o viajante inglês Henry Koster registrou a memória sobre a ocasião da detenção: “João Carlos recebeu de Lisboa instruções secretas para prender o chefe dos Feitosa. Seu primeiro passo foi informar ao Coronel que pretendia visitá-lo no propósito de passar revista de seu Regimento (…) Chegada a ocasião, João Carlos viajou, acompanhado por dez ou doze pessoas. O Coronel recebeu-o com a máxima cortesia, reunindo todos os seus homens para melhor impressão da revista. Depois da revista, o Coronel dispensou-os, fatigados como estavam pelos exercícios do dia, e alguns residiam a muitas léguas. Com o governador, retirou-se o Coronel para casa, seguido por alguns dos mais íntimos amigos. No momento em que se preparavam para dormir, João Carlos, que havia tudo combinado com seu séquito, avançou, apontando uma pistola ao peito do Coronel, enquanto seus companheiros faziam o mesmo aos amigos e criados do Coronel (…) João Carlos disse ao Feitosa que se este pronunciasse a menor palavra ou fizesse um gesto, dispararia a pistola, sabendo perfeitamente que morreria também.”

A missão do governador cearense estava cumprida. Na mesma ocasião, também foi preso um outro sobrinho de Manoel Chaves, Francisco de Araújo Chaves. Os dois passaram 84 dias incomunicáveis no cárcere de Fortaleza, de onde foram conduzidos por terra à vila de Aracati. Lá chegando, foram levados para um pequeno barco e navegaram até a capitania de Pernambuco, onde ficaram detidos durante 42 dias, à espera de um navio que os conduzisse para Portugal. Ancoraram na cidade de Lisboa no dia 23 de maio de 1806.

Manoel Martins Chaves acabou morrendo na cadeia, aos 61 anos, vítima de ataques de febre provocada pelo cólera. Francisco de Araújo Chaves foi enviado para o Rio de Janeiro em 1810, ficando preso na Ilha das Cobras. Já o capitão-mor Bernardino foi solto apenas um ano depois de sua prisão. Usando como argumento a importância de sua família no processo de colonização e exploração econômica da região do Acaraú, solicitou ao príncipe regente o relaxamento de sua culpa e cárcere. Manoel e Francisco também se empenharam em conquistar a benevolência real, mas não foram atendidos.

O caso do assassinato do juiz ordinário da Vila Nova D’El Rei Antonio Barbosa Ribeiro mostra a terra como base de poderes locais, que impunham a ferro e fogo limites ao domínio da Coroa. A aplicação da lei e o estabelecimento do poder do Estado eram um embate constante. A impunidade era a regra e o cumprimento da Justiça, a exceção.

Fonte: Revista de história – Texto do Prof. Antonio Otaviano Vieira Junior – Professor da Universidade Federal do Pará, diretor do Centro de Memória da Amazônia/UFPA (Universidade Federal do Pará) e autor de “Entre paredes e bacamartes: história da família no sertão” (Hucitec, 2004).
Jaqueline Aragão Cordeiro

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Comments (3)

  1. PAULO IBIAPINA DE ALMEIDA BARBOSA disse:
    28 de junho de 2013 às 21:00

    Jaqueline, esta reportagem sobre o cap.Antonio Barbosa Ribeiro me despertou um interesse muito grande,pois ele foi nosso penta avô e filho do nosso genearca, Manoel Barbosa Ribeiro.Se tiveres mais fontes biográficas sobre os mesmos,ficaria grato com estas informações.Atenciosamente,Paulo Ibiapina de Almeida Barbosa.(ibiab01@gmail.com)

    Responder
  2. Sílvio Roberto Ribeiro Barbosa disse:
    16 de julho de 2017 às 11:26

    Jaqueline, ótima materia. cap. ANTONIO BARBOSA RIBEIRO, é meu QUINTO AVÓ, penta neto SÍLVIO ROBERTO RIBEIRO BARBOSA, São Pedro do Piauí – PIAUI – NORDESTE – BRASIL

    Responder
    1. Jaqueline Aragão Cordeiro disse:
      16 de julho de 2017 às 20:22

      Obrigada Silvio. Se tiver algo que possa acrescentar, ficarei feliz em fazê-lo.
      Abraço,

      Responder

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