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A inquisição no Ceará – Casamento no sertão

Jaqueline Aragão Cordeiro, 18 de janeiro de 2020

Paschoal Martins foi um mentiroso de marca maior. Talvez até chamado de safado, sem-vergonha, ou mais que isso, depois do que souberam dele. Português, da ilha dos Açores, pastor de gado. Jovem, foi mascate. Pois se meteu de casar três vezes no sertão do Brasil sem nunca enviuvar. Inadmissível para aqueles anos de Inquisição.

Ainda era a primeira metade do século XVIII. Pior: para cada outra mulher que arranjou depois da primeira, Paschoal inventou para si um nome diferente. Uma delas, a terceira, viveu aqui no território da então Capitania do Ceará Grande, Bispado de Pernambuco. Eis que descobriram tudo, a Santa Inquisição soube. A casa caiu. Na verdade, as três.

O próprio admitiu aos inquisidores tudo o que fizera, já levado de volta a Portugal, como réu preso. Estava com 60 anos. Confessou em depoimento: “foi malícia”, agiu por “fragilidade”, “tudo fizera como tollo”, “pouco juízo”. É o que contam as letras em bico de pena no seu processo, o de número 7157, na Inquisição de Lisboa. Está no arquivo nacional português da Torre do Tombo. Acusação formal no Tribunal do Santo Ofício: poligamia. Hoje, no mínimo, também seria imputado judicialmente em falsidade ideológica.

O caso é curioso, mesmo para época. Com a primeira “e única” mulher, Violante Dias, mais velha que ele quase 20 anos, viveu em Recife por seis ou sete anos. Não tiveram filhos. Casou-se na Capella do Paraízo, da Freguesia de Nossa Senhora do Rosário, em 8 de novembro de 1723. Era ele cristão batizado. Da infância que teve em Braga e Porto, ainda em Portugal, a vida acabou trazendo-o adulto para a colônia Brasil. Bateu-se no Pernambuco. Foi o trabalho de mascate que o soltou pelas vilas do Ceará Grande.

Achou tão cômoda a distância de casa que quis voltar à “solteirice”. Para “esconder-se”, Paschoal inventou ser Antônio da Costa de Souza. O processo não apurou melhor se mudou o nome por dívidas, se fuga de outras safadezas amorosas ou se só mesmo pela tal “malícia” declarada. Bastaram dez testemunhas e a confissão. Pois nas andanças de galego, vendeu também no Limoeyro, freguesia de Santo Antônio do Tracunhaem, ainda Pernambuco. Conheceu Francisca de Barros da Sylva, segunda e única.

Lábia das boas, pelo que parecia, estrangeiro, apessoado, e já estava casando de novo. Em 15 de setembro de 1746, Igreja de Nossa Senhora da Apresentação, na missão do Limoeyro. Os autos inquisitoriais dizem que viveu por lá mais seis anos. Parecia sua cota de tempo num lugar. Queria andarilhar e foi-se de novo. Para as bandas do Acaracú (hoje rio Acaraú).

A ribeira cearense, ao lado da Villa de Sobral e de outras bem sucedidas, atraía negociantes. Lá, afirmando que “já estava sete a oito anos longe da segunda mulher, casou-se pela terceira vez”. A terceira e única era Clara de Mendonça, branca, viúva, não sabia a idade (mais de 50 anos, segundo os autos).

O nome também já era outro: Francisco Barbosa Braga. Criado a partir do nome da segunda (Francisca) e da cidade onde viveu (Braga). O terceiro casamento está registrado no Livro dos Assentos dos Cazamentos da Freguezia de Nossa Senhora do Acaraú, folha 138, realizado em 13 de fevereiro de 1752. “Corrido a banhos nesta freguezia e sem impedimento algum“, apurado e registrado nos autos do processo. No interrogatório nos Estados, a casa das audiências da Inquisição, Paschoal chegou a dizer que foi um amigo que o avisou da morte da primeira mulher. Não convenceu. Seu processo, de 240 páginas, foi concluso em 28 de novembro de 1764. “Com grave damno e prejuízo de sua alma e injuria do sacramento do matrimonio”.

“Mandão que o reo Paschoal Martins, aliás Antonio da Costa, aliás Francisco Barbosa em pena e penitencia das suas culpas vá ao auto publico da fé na forma costumada, nele ouça sua sentença, faça abjuração de leve(…): será açoutado pelas ruas públicas dessa cidade, citra sanguinis effusionem e o degradão por tempo de sinco annos para as galés de sua majestade(…). Será instroido nos mistérios da fé necessários para a salvação de sua alma e cumprirá as mais penas e penitencias que lhe forem impostas e paguem as custas”. Recebeu ordem de rezar um terço do rosário e em cada sexta-feira cinco Pais-nossos e cinco Aves-Marias e Paz de Christo.

A última das notícias sobre Paschoal foi a de que padecia em várias internações de “sezões” (febres muito altas com sintomas de delírio), “queixas habituais”, e sofrendo da “suspensão de urinar”, “maltratado pelo guarda com pancadaria”. Nas galés, os porões dos navios, os presos apanhavam constantemente. O último documento de seu processo é o registro de uma visita do cirurgião dos cárceres secretos. Tinha dores de diabetes e incontinência urinária.

Acompanhe matéria publicada no Jornal O Povo de 23 de maio de 2010.
Jaqueline Aragão Cordeiro

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