A inquisição no Ceará – Especiarias da memória

A extensa documentação proveniente dos cartórios da Inquisição (1536-1821), cerca de 8 milhões de peças, é um quebra-cabeça que pode revelar não só o que foi esse aparelho da Igreja Católica e da coroa portuguesa. É caminho para se chegar também a outras tramas do cotidiano da metrópole e suas colônias. Maria do Carmo Jasmins Dias Farinha, pesquisadora aposentada da Torre do Tombo, que durante 15 anos sistematizou os arquivos da Inquisição em Lisboa, sugere que os documentos revelam além dos enredos que estão nos processos dos amaldiçoados pelo Santo Ofício. A partir das fontes inquisitoriais há rotas de investigações Continue lendo A inquisição no Ceará – Especiarias da memória

A inquisição no Ceará – Casamento no sertão

Paschoal Martins foi um mentiroso de marca maior. Talvez até chamado de safado, sem-vergonha, ou mais que isso, depois do que souberam dele. Português, da ilha dos Açores, pastor de gado. Jovem, foi mascate. Pois se meteu de casar três vezes no sertão do Brasil sem nunca enviuvar. Inadmissível para aqueles anos de Inquisição. Ainda era a primeira metade do século XVIII. Pior: para cada outra mulher que arranjou depois da primeira, Paschoal inventou para si um nome diferente. Uma delas, a terceira, viveu aqui no território da então Capitania do Ceará Grande, Bispado de Pernambuco. Eis que descobriram tudo, Continue lendo A inquisição no Ceará – Casamento no sertão

A inquisição no Ceará – Os pecados de todos os tempos

Para o historiador Antonio Otaviano Vieira Jr, as pesquisas sobre a Inquisição alargam o horizonte para além da visão dualista do “bem contra o mal“. Nesta entrevista, ele retoma a intolerância e as condenações à luz do século XXI. A Inquisição portuguesa dos séculos XVI a XIX está mais próxima do que se imagina. Não em sua forma de tribunais ou fogueiras. É o seu espírito de intolerância que ainda ronda. “A base da Inquisição era o medo do diferente: algo que encontramos ainda hoje nos movimentos separatistas, nos ataques homofóbicos, nas brigas entre torcidas de futebol, nas piadas racistas, Continue lendo A inquisição no Ceará – Os pecados de todos os tempos

A inquisição no Ceará – A inquisição, o mar e a seca

Acompanhe matéria publicada no Jornal O Povo em 23 de maio de 2010. A presença judaica na Ibéria é antiquíssima. No livro de Salomão, há referências à presença deles na região de Tarshish, para onde iam em barcos fenícios do rei Hiram em busca de matéria-prima para construção do primeiro templo. A convivência na terra peninsular, no entanto, quase sempre foi marcada por perseguições e tragédias. Nas épocas godas, muçulmanas e da reconquista, curtas fases de paz e liberdade religiosas entremearam períodos extensos de escuridão. Apenas nos períodos godo, que antecedeu a conversão destes ao catolicismo, e no muçulmano omíada Continue lendo A inquisição no Ceará – A inquisição, o mar e a seca

A inquisição no Ceará – Aracathy: Heresias de um judeu

Também houve denúncia formal à Inquisição contra judeus nas plagas sertanejas do Ceará Grande. Na ribeira do Jaguaribe, o médico José Balthazar Auger, italiano de Turim, morador da então villa do Aracathy e devoto frequentador da matriz de Nossa Senhora de Russas (ainda pertencente àquela vila), denunciou um tal Gaspar Roiz Reis Calçado. Delatou que o homem, também residente ali, fazia “coisas escandalosas contra a Santa Fé Cathólica indicativas de judaísmo“. Gaspar já seria conhecido na freguesia de lá por ironizar, debochar, ser indiferente ou até xingar e execrar alguns ritos e cultos católicos. “Tido, havido e reputado como judeu Continue lendo A inquisição no Ceará – Aracathy: Heresias de um judeu

A inquisição no Ceará – Governos, segredos e dogmas

Um homem do governo da Capitania do Ceará Grande também caiu na lista da Inquisição. Na carta-denúncia, enviada pelo padre Antonio José Cavalcante ao comissário do Tribunal do Santo Ofício Joaquim Marques de Araújo, em 8 de dezembro de 1802, o palavreado não poupava Francisco Luís de Mariz Sarmento: “Não só tem mofado e mettido à bulha publicamente os preceitos da Igreja, os seus sacramentos e actos de piedade os mais santos uteis e necessários; mas tão bem tem commettido a sacrílega temeridade de insultar directamente mesmo Deos na adorável pessoa do Espírito Santo“. Sarmento era secretário do governo no Continue lendo A inquisição no Ceará – Governos, segredos e dogmas

A inquisição no Ceará – “In nomine patris et filis, et spiritus…”

Anda vagabundo pelas freguezias da Granja, Serra dos Cocos, e Vila Viçoza hum homem cego com coroa aberta e intitulando-se sacerdote“. A descrição era implacável, nas comunicações entre comissários e familiares do Santo Ofício aos inquisidores. Noutro documento, as ousadias do senhor desconhecido que perambulou lesando incautos pelas veredas da serra cearense da Ibiapaba. O tal vinha “confessando, baptizando, benzendo e exorcizando“, “dizia missa e confessava“. Se a Inquisição era por demais inclemente, havia os que davam -motivos-. Como modesto jesuíta, estava ali o “padre Francisco de Faria“, orientador das almas e de gestos. Só embuste. A coroa aberta na Continue lendo A inquisição no Ceará – “In nomine patris et filis, et spiritus…”

A iquisição no Ceará – Dez anos nas galés

A espionagem sobre a vida privada de cearenses ou portugueses que sentaram praça no Ceará não levou ninguém à fogueira. Mas entre os castigos impostos pela Igreja Católica, o degredo e o confinamento nas galés lusitanas que cruzavam o Atlântico e outros mares entre 1752-1802, marcaram a violenta história da Inquisição. De 19 perseguidos, seis homens amargaram os serviços forçados nas caravelas do reino de Portugal. Entre eles, dois idosos de 60 anos. Um dos processos, investigados pelo O POVO na Torre do Tombo em Lisboa, revela que o escravo Domingos da Silva de Oliveira foi o que mais tempo Continue lendo A iquisição no Ceará – Dez anos nas galés

A inquisição no Ceará – O Ceará do Santo oficio

Inquisição chega ao Ceará na primeira metade do século XVII quando o então Ceará Grande pertencia à capitania de Pernambuco. Inóspita e desconhecida, a região era pouco explorada pelos colonizadores, mesmo tendo pertencido ao Maranhão anteriormente. As primeiras denúncias coincidem com a ocupação do território através da pecuária explorada ao curso dos rios. A dificuldade enfrentada pelo Ceará no século XVII é atestada por documento microfilmado na Torre do Tombo, datado de 1816, quando o terceiro governador do Ceará, Luís Barba Alardo de Meneses, faz referência ao começo da capitania. Ele diz: “Pode-se seguramente afirmar que até esse tempo era Continue lendo A inquisição no Ceará – O Ceará do Santo oficio