CONTOS DE LEONARDO MOTA – “LAMPIÃO E SEUS PERSEGUIDORES”

Enrolei o meu cigarro de palha e pedi ao fazendeiro em cuja casa me hospedara me dissesse o que pensava das polícias que dão combate aos cangaceiros. Ele entupiu as ventas com uma pitada de “torrado” rescendente a cumaru, limpou o bigodão com a manga da camisa, aprumou-se na tripeça e não tardou em me dizer: – Quero mais ante me ver neste ôco de mundo, às volta com bandido que com soldado de poliça. Me creia que os mata-cachorro, quando sai da capital, vem com o pensamento fixe em que todo matuto protege cangaceiro. Querem, por fina força, que Continue lendo CONTOS DE LEONARDO MOTA – “LAMPIÃO E SEUS PERSEGUIDORES”

CONTOS DE LEONARDO MOTA – “UM PRECURSOR DE LAMPIÃO”

Na primeira metade do século passado[1], um negro foi o terror do sertão baiano. Era o Lucas da Feira, assim chamado por ter sido o município de Feira de Santana teatro de toda a sua atuação delituosa. Durante vinte anos, Lucas foi o assombro, o pesadelo dos sertanejos. Contaram-se por centenas as suas vítimas. O negro salteador, ladrão e assassino, raptou e violentou inúmeras donzelas, matando-lhes os pais e irmãos, se estes ofereciam resistência à sua lubricidade. Há uma lenda, segundo a qual Lucas começou a esmorecer no seu fadário repelente, depois que, ao passar pela sepultura duma virgem que Continue lendo CONTOS DE LEONARDO MOTA – “UM PRECURSOR DE LAMPIÃO”

CONTOS DE LEONARDO MOTA – “A PRISÃO DE ANTONIO SILVINO”

O aprisionamento de Lampião não se me afigura impossível. Nada importa diga ele que prefere a morte. Antônio Silvino também o dizia, mas, apenas se viu baleado, foi o primeiro em fazer questão de mansamente se entregar à justiça. Restabelecido ulteriormente, voltaram-lhe no presídio os ímpetos brutais, como na manhã em que, entre descomposturas do calão mais vil, sacudiu um pão na cara de um desembargador. Quando a captura de Lampião parece a tanta gente sonho irrealizável, vem a propósito recordar como se deu a de seu terrível predecessor. O que desgraçou Antônio Silvino foi a perseguição sem tréguas que Continue lendo CONTOS DE LEONARDO MOTA – “A PRISÃO DE ANTONIO SILVINO”

CONTOS DE LEONARDO MOTA – “O TROFÉU”

Zé Pinheiro, o celebérrimo facínora que tão sinistramente se afamou na sedição de Juazeiro contra o Presidente cearense Franco Rabelo, era um cangaceiro perversíssimo, ajutor de dezenas de homicídios bárbaros. O seu renome se fez no período que mediou entre o alumbramento da estrela de Antônio Silvino e o fulgor infernal da triste glória de Lampião. Conheci-o pessoalmente em abril de 1914, quando a jagunçada do Padre Cícero passava pela cidade de Quixadá. Acabou martirizado nos sertões alagoanos por uns rapazes, cujo pai fora por ele assassinado. Essa vingança foi terrível: convenientemente amarrado, não lhe deram pancadas nem tiros – Continue lendo CONTOS DE LEONARDO MOTA – “O TROFÉU”

CONTOS DE LEONARDO MOTA – “BRINCADEIRA DE HOMEM”

Antônio Silvino fazia-se respeitado de seus satélites. Disciplinava-os. Sabia assegurar a conveniente distância que deve existir entre comandante e comandados. Jamais permitiu atrocidades que não houvesse, em pessoa, determinado. Chegara ele com a sua récua a uma fazenda. À hora do improvisado almoço, um cabra, o Tempestade, deu-se ao luxo de reclamar: – Ô arroz insosso de todos os diabos! Um relâmpago de cólera fulgiu nos olhos de Silvino, que, findo o repasto, foi falar à mulher do fazendeiro: – Dona, a senhora tem sal em casa? – Tenho, seu Capitão. Eu vi aquele homem não gostar… Vossenhoria me discurpe, Continue lendo CONTOS DE LEONARDO MOTA – “BRINCADEIRA DE HOMEM”

Contos de Leonardo Mota – “A morte do Jararaca”

Quando Lampião teve a certeza de que atravessaria livremente todo o Ceará, em cujo território já por vezes penetrara, erguendo vivas ao então Presidente do Estado, decidiu invadir o Rio Grande do Norte, para atacar a cidade de Mossoró. Seduziam-nos os pingues recursos desse empório comercial, servido por uma agência do Banco do Brasil. Saiu-lhe, porém, o ano bissexto… A população de Mossoró, tendo à frente o valoroso Prefeito Cel. Rodolfo Fernandes, reagiu bravamente ao assalto da cabroeira de Virgolino e dois sequazes deste tombaram baleados, sem que os companheiros os pudessem conduzir. Um dos feridos era o Jararaca. Transportado Continue lendo Contos de Leonardo Mota – “A morte do Jararaca”

Contos de Leonardo Mota – “Quem escreveu a patente de Lampião”

Foi nos primeiros dias do ano passado e quando me internei nos sertões de Pernambuco. Não sei como, naquela calçada de hotel, em Caruaru a palestra começou a girar em torno do Padre Cícero, de Juazeiro. Falou-se na extrema capacidade de sedução do quase nonagenário reverendo. Na ignorância eterna em que ele finge estar de ofensas jornalístyicas que lhe são irrogadas. No empenho de obsequiar a todo hóspede ilustre de sua terra. Nos seus recursos de conversador matreiro, não abordando política com adversários, nem religião com incréus. Na sua eleição de Deputado Federal, sem dar à Câmara a confiança de Continue lendo Contos de Leonardo Mota – “Quem escreveu a patente de Lampião”

CONTOS DE LEONARDO MOTA – “O CASTIÇAL”

Quando Lampião ocupou a povoação baiana de Abóboras teve a fantasia de exigir que lhe trouxessem e a seus cabras onze mulheres amigadas. A localidade não contava com tal número de concubinas, pois graças à ação dos padres no confessionário e no púlpito, vão rareando os amancebados. Ele satisfez-se com as três ou quatro que lhe foram levadas e condescendeu em deixar em paz as matronas e donzelas. Formou, em seguida, um samba orgíaco, todos os figurantes em trajes paradisíacos, como é de seu gosto. Os bandidos, sem exceção de um só, ficaram completamente bêbados. A povoação possui algumas dezenas Continue lendo CONTOS DE LEONARDO MOTA – “O CASTIÇAL”

Contos de Leonardo Mota – “Pra tirar a raça”

Sempre que o coração cruel de Lampião se abrandava num gesto compassivo, Sabino Gomes, seu lugar-tenente, resmungava, contrariado. Quando foi, por exemplo, da ocupação da cidade cearense Limoeiro, Lampião rendeu-se às súplicas do Vigário local para não saquear as casas de comércio. Sabino, visivelmente irritado, mandava o Padre rezar e cuidar da sua igreja, não se metendo em coisas que não são da conta de quem veste batina. Sabino foi morto pelo próprio Lampião, que sempre o temeu, se arreceou do seu crescente prestígio no bando e se tornou cobiçado dos cinquenta e tantos pacotes que Sabino trazia sob a Continue lendo Contos de Leonardo Mota – “Pra tirar a raça”

Contos de Leonardo Mota – “O Príncipe”

Amulatado e de estatura meã; magro e semi corcunda; barba e nuca ordinariamente raspada; cabelos compridos e, sempre que é possível, perfumados; na perna esquerda, encravada, uma bala, com que o alvejou o sargento Quelé, da polícia, paraibana; o olho direito, branco e cego, escondido pelos óculos pardacentos, de aros dourados; mãos compridas, que semelham garras; os dedos cheios de anéis de brilhantes, falsos e verdadeiros; ao pescoço, vasto e vistoso lenço de cores berrantes, preso no alto por valioso anel de Doutor em Direito; sobre o peito, medalhas do Padre Cícero, escapulários e saquinhos de rezas fortes; chapéu de Continue lendo Contos de Leonardo Mota – “O Príncipe”