Quando Lampião teve a certeza de que atravessaria livremente todo o Ceará, em cujo território já por vezes penetrara, erguendo vivas ao então Presidente do Estado, decidiu invadir o Rio Grande do Norte, para atacar a cidade de Mossoró. Seduziam-nos os pingues recursos desse empório comercial, servido por uma agência do Banco do Brasil.
Saiu-lhe, porém, o ano bissexto… A população de Mossoró, tendo à frente o valoroso Prefeito Cel. Rodolfo Fernandes, reagiu bravamente ao assalto da cabroeira de Virgolino e dois sequazes deste tombaram baleados, sem que os companheiros os pudessem conduzir.
Um dos feridos era o Jararaca. Transportado para a cadeia, solicitamente o medicaram. Era preciso que ele não falecesse sem que as autoridades o ouvissem. De fato, só depois de prensado, interrogado e, até, de fotografado, o Jararaca morreu. Mas ninguém o viu morto, pois o enterramento foi dado como feito alta noite.
Uns vinte dias depois, dizia-me em Fortaleza um sertanejo da terra potiguar:
– Jararaca morreu, mas não foi de morte morrida: foi de morte matada…
E com a desenvoltura de quem não tem papas na língua nem é jornalista do Governo, descreveu a cena macabra:
– Uma boca-de-noite, noite de lua, o Jararaca, algemado, foi conduzido da cadeia pro cemitério. Chegando lá rodeado de soldados, mostraram-lhe uma cova, aberta lá num canto, quase fora do “sagrado” e lhe perguntaram se ele sabia pra que era aquilo… Foi quando o Jararaca falou, frocado e destemido:
– Saber de certeza não sei, não, mas porém estou calculando… Não é pra mim? Agora, isso só se faz porque eu me vejo nestas cerconstança, com as mãos inquirida e desarmado! Um gosto eu não deixo pra vocês: é se gabarem de que eu pedi que não me matassem. Matem! Que matam mas é um home! Fiquem sabendo que vocês vão matar o home mais valente que já pisou neste…
Mas, não teve tempo de acabar de dizer o que queria. Por trás dele, um soldado, naturalmente de combinação com os outros, deu-lhe um tiro de revólver na cabeça. A bala pegou bem no mole do pé do ouvido, lá nele. O Jararaca amunhecou das pernas e caiu, de olho vidrado. Aí, os soldados o empurraram com os pés pra dentro da sepultura. Só demoraram enquanto tiravam os ferros das algemas. Quando o cadáver rolou pra cova, fizeram luz e espiaram: o finado tinha caído de bruços. Mas, ninguém se embaraçou com isso: por cima do corpo inda quente, as pás de terra deram serviço…
Calou-se o narrador, para dizer, logo mais, entre compadecido e irônico, num misto de piedade e de galhofa:
– Coitado do Jararaca! Tão valente na hora da morte, mas foi enterrado dando as costas pra este mundo velho, onde ele fez tanta estrepolia…
Jaqueline Aragão Cordeiro