
Em 2011, o médico cirurgião plástico pernambucano Marcelo Borges, ao ver uma matéria no Jornal do Commércio de Pernambuco, que revelou que a pele da tilápia é subproduto de descarte e apenas 1% é empregado no artesanato (confecção de bolsa e sapato), teve a ideia de usar esta pele no tratamento das queimaduras. No ano de 2014, Marcelo Borges apresentou a ideia ao cirurgião plástico cearense Edmar Maciel (coordenador geral da pesquisa), que o convidou para viabilizar e realizar este estudo no Ceará. O pesquisador Odorico Moraes, diretor-presidente do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM), da Universidade Federal do Ceará (UFC), entrou para o grupo com o desafio de pesquisar a pele da tilápia e desenvolver o produto. Finalmente, foi convidado o cirurgião plástico de Goiás Nelson Piccolo, compondo uma equipe de coordenação do trabalho.
O Instituto de Apoio ao Queimado (IAQ), uma Organização Não Governamental (ONG) no Ceará que realiza gratuitamente a reabilitação física e psíquica de vítimas de queimaduras há mais de 10 anos, fez um convênio de pesquisa com a Enel, em fevereiro de 2015, para financiar o projeto.

Foi elaborado pelos coordenadores da pesquisa um cronograma de estudos pré-clínicos e clínicos, em cativeiro e laboratório com animais e pacientes vítimas de queimaduras, para permitir a avaliação da segurança e da eficácia da pele da tilápia do Nilo, para criação de um protetor biológico oclusivo, objetivando futuramente o registro da pele na ANVISA. Todos os estudos são modificados e executados com total embasamento científico, seguindo as recomendações éticas, boas práticas laboratoriais e clínicas para realização de estudos com animais e seres humanos, tendo aprovação prévia de suas específicas comissões de ética. O registro de patente foi feito no Brasil, no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), sob o número BR 10 2015 021435 9. No exterior, o depósito de patente foi realizado e encontra-se registrado sob o número 0000221601669024.
Os estudos histológicos confirmaram que a pele da tilápia apresenta boa quantidade de colágeno Tipo I, boa resistência ao traçado e boa umidade, semelhantes à pele humana e melhor que as peles de porco e de rã, no estudo comparativo; na aplicação da pele da tilápia em animais constatou-se uma boa aderência da pele ao leito da ferida e melhora no processo de cicatrização. Após esta etapa, os resultados foram apresentados à ANVISA em dezembro de 2015, como uma consulta prévia, na qual os pesquisadores foram orientados a realizar um estudo de alergia e de sensibilidade na pele humana. Assim, outra etapa começou em julho de 2016, no Instituto Dr. José Frota (IJF), hospital público de Fortaleza, um dos maiores serviços de queimados da região Nordeste, estudo este, que veio a constatar a eficácia do produto na pele humana.
Ao longo de 10 anos, comemorados em 10 de fevereiro de 2025, avanços de outras abordagens ampliam suas possibilidades de emprego. É uma solução inovadora que melhora substancialmente a qualidade de vida dos pacientes, reduzindo o limiar da dor, o número de trocas de curativos, e risco de infecções, a permanência hospitalar, o gasto com insumos médicos, além de diminuir a carga de trabalho da equipe médica durante o tratamento de queimaduras e feridas.
As pesquisas avançaram ao ponto de envolver 380 pesquisadores em 9 países, com estudos em parceria com a Fiocruz, Butantan e Nasa. Agora, além do uso em queimaduras, a pele de tilápia é usada com sucesso em tratamentos de úlceras, em cirurgias de reconstrução vaginal, redesignação sexual e veterinária.
Em 2020, o Dr. Edmar Maciel, ganhou o Prêmio Euro Inovação na Saúde, com o projeto “A Pele de Tilápia: Um Novo Biomaterial para Tratamento de Queimaduras, Feridas, Cirurgias Ginecológicas e Medicina Regenerativa”. Foram mais de 1.655 projetos inscritos no Brasil e mais de 15 mil médicos participando por meio da votação. O prêmio tem o objetivo de reconhecer e oferecer incentivo na busca por soluções em produtos, serviços e ações inovadoras que tenham um forte impacto social no país.
O mundo voltou os olhos para essa nova tecnologia, ganhando destaque inclusive em séries como The Good Doctor e Grey’s Anatomy.
Fonte: Revista Brasileira de Queimaduras / UFC informa / Eurofarma
Jaqueline Aragão Cordeiro