Até 1848 em Fortaleza, os enterros eram feitos nas igrejas, a exemplo, o padre Mororó e Pessoa Anta, enterrados na Sé. Em visita a essa igreja, a esposa do então presidente Moraes Sarmento, teve um desmaio em consequência do odor fétido exalado pelos cadáveres, por esse motivo o presidente resolveu fundar o cemitério do Croatá, para onde passaram os enterros a partir de 1848. Essa decisão foi recebida como falta de compaixão do presidente. Os enterros eram feitos à noite e os convidados levavam velas acesas dentro de lanternas de papel para proteger do vento.
Avisado o padre que alguém estava às portas da morte, tocava os sinos em sinal de apelo e os fiéis atendiam ao chamado fosse a hora que fosse. Para dar a extrema-unção, vestia-se o vigário com trajes apropriado ao momento, formava uma procissão, indo à frente um dos irmãos tangendo uma grande campa (pedra que cobre a sepultura). Após a irmandade seguia o vigário debaixo de um palio (trono portátil usado em cortejos), onde levava a comunhão, oculto sob rico tecido de seda bordado com prata ou ouro, que seria dada ao moribundo; e o povo que sempre acompanhava o santíssimo (a hóstia consagrada), cantava em ritmo de grande dor. Algumas vezes saia o vigário a cavalo, neste caso, o sacerdote conduzia uma umbela (palio redondo) e à sua frente, também a cavalo, o sacristão tocava uma campainha. Por onde passava essa procissão fora de hora, se sentia um misto de medo e esperança que chamavam de “temor religioso”, os adultos se ajoelhavam e rezavam em intenção do moribundo enquanto as crianças tremiam de medo. Essa procissão do santíssimo jamais voltava pelo caminho que tinha ido.
Assim que era confirmado o óbito, os sinos da matriz tocavam e a cidade inteira já sabia quem havia falecido. Cobria-se a porta da casa do morto com um largo pano preto que tinha uma grande cruz amarela no centro. Os convites para o enterro eram vendidos em livrarias e distribuídos por agentes do correio, de forma dedicada, até que o último fosse entregue. O caixão era apoiado em duas travessas (peça de madeira atravessada sobre outra) com largas correias nas pontas, que os condutores levavam, sempre vestidos a caráter, de preto e com cartolas, eram precedidos pelo padre, e assim, seguiam por dois ou mais quilômetros sob o sol escaldante, marchavam em silêncio, e se a condição do falecido permitisse, eram companhados por uma banda de música. Aproximando-se da Sé, eram recebidos pelo alarido dos sinos. Até a igreja, todos iam descobertos (sem véus), dali para o cemitério se cobriam, porque o corpo já estava encomendado.
A sociedade exigia da família dos mortos, as mais ruidosas mostras de sofrimento na saída dos enterros, e nesses momentos, alguns falavam coisas inconvenientes ou deixavam escapar segredos de família. Aos poucos foram compreendendo que tais exageros não expressavam o verdadeiro sofrimento, tanto que algumas famílias passaram a se despedir do seu morto em silêncio. As visitas de pêsames eram uma tortura, principalmente para as viúvas, que tinham que repetir a todos que chegavam o histórico da doença e o sofrimento do falecido.
Para acompanhar o enterro de padres, os coroinhas formavam longas filas; e para acompanhar o enterro de militares, os soldados em grande número, o seguiam compassadamente com suas espingardas de boca pra baixo.
O enterro dos “anjinhos” era festivo e risonho. Os sinos menores da igreja tocavam alegremente e as famílias convidavam quantas crianças pudessem para acompanhar a saída. Não se encomendava suas almas, pois, para que encomenda-los para o Deus que disse: “Deixai vir a mim os pequeninos” ? Enquanto os pequenos aguardavam a saída, recebiam muitas guloseimas como agrado. Depois ia o alegre grupo acompanhado por músicos que tocavam canções festivas.
Esses rituais foram abolidos em 1878, para não afligir mais o povo já tão sofrido com a seca, epidemias e fome.
Fonte: Instituto do Ceará – Enterros no tempo antigo
Jaqueline Aragão Cordeiro