Por causa de uma nota contra o Imperador Pedro I, publicada em um “pasquim” no dia de seu aniversário, começou a intriga entre João André Teixeira Mendes e os Cavalcantes, da Vila de Icó, intriga essa que causou umas 20 mortes, muita violência e processos. O sargento-mor João André Mendes, era chefe de uma antiga família de origem baiana, criador e negociante, era um homem que falava muito, se irritava facilmente e muito violento. Sua primeira vítima foi o negociante Francisco Cavalcante de Albuquerque.
Em 1823 o partido patriota do Icó, minoria fraquíssima na luta contra os portugueses, era composto basicamente por jovens rapazes que já tinham grande aversão a João André. Filgueiras e Tristão, de passagem por Icó, tiveram a péssima ideia de fazê-lo comandante geral da Vila, supondo que teriam em João André, um aliado político. Porém, com sua arrogância e esperteza, que beiravam a loucura, começou a perseguir os patriotas. No dia 20 de outubro mandou prender Joaquim Fernandes Moura, sargento-mor e advogado, acusando-o de aliança com os republicanos. João André tratou de reprimir severamente a imprensa, com isso, foi duramente atacado, sendo chamado de “Fidié”, o que ele não suportou.
Certa ocasião, encontrou-se na casa de seu cunhado, com Thomaz de Aquino Pinto Madeira, jovem patriota, comandante do pequeno destacamento que havia ficado guardando a Vila, amigo do Alferes de 1ª linha Antonio Vieira do Lago Cavalcante de Albuquerque, e João André o acusa de ser o autor das publicações que o acusavam, exaltou-se tanto, que deu um tapa no jovem Thomaz, este, sem meios de reagir diante do poder do adversário, volta para a capital em novembro de 1823.
Antonio Cavalcante considerou sua, a afronta feita ao amigo, e avisou, que chegando no Icó, antes de pedir a bênção de seu pai, quebraria a pau a João André. Em vão, Filgueiras e Tristão, ameaçaram Cavalcante de severa punição. Esse oficial era uma fúria, cruel e indomável, não respeitava ninguém. Dito e feito, chegando ele no Icó em 14 de janeiro de 1824, não se fez esperar.
João André, que tinha ido com todo ódio contra os patriotas, encheu-se de medo ao saber da chegada de Antonio Cavalcante e foi esconder-se no Rio do Peixe (Paraíba). Tristão, porém, acreditando que seu oficial havia de obedece-lo, escreveu ao fugitivo pedindo que voltasse pois garantiria sua segurança, o que aconteceu em 20 de janeiro de 1824, quando se apresentou a Tristão em Icó.
Eram duas horas da tarde, João André acabara de entrar em casa, tirou a farda e deitou-se em uma rede na sala de visitas, quando Antonio Cavalcante, acompanhado de quatro soldados que escolhera no quartel, surgiu repentinamente em sua frente. Tantas pauladas deram nele, que mal conseguia se levantar, e logo caia novamente, tanto lhe bateram, que perdeu os sentidos. Antonio Cavalcante gritava que lhe trouxessem um machado, pois queria cortar-lhe a cabeça, o que só não aconteceu, por causa da filha de João André, que deitou-se sobre a cabeça do pai. João André levou longos meses para se recuperar.
Tristão, amargurado com os fatos, nada mais pode fazer senão mandar prender Cavalcante e ao comparsa sargento-mor Joaquim Fernandes Moura, e envia-los ao governo provisório, junto com um ofício onde queixava-se do acontecido. Cavalcante foi enviado para o Rio de Janeiro, e dali, para o Rio da Prata, na Guerra da Cisplatina. Fernandes Moura retornou ao Icó, e foi morto no lugar bebedouro, em março de 1824.
João André não aceitou a decisão de Tristão, e ficou tão inimigo deste, quanto dos Cavalcantes, assim, começou uma série de crimes violentos. No dia 22 de maio de 1824, no final do dia, estava o velho Francisco Cavalcante em sua loja, quando foi morto a facadas, por um desconhecido, na frente de sua sogra e de uma neta pequena. Não houve a menor dúvida sobre o mandante do crime.
Em consequência da confederação do Equador, os bandos de João André invadiam as casas dos patriotas para mata-los em pleno dia. Invadiram a casa de Francisco Cavalcante, roubaram tudo que puderam levar e quebraram as louças e móveis que sobraram, além de quebrarem todas as portas a machadadas, tudo isso na frente da família desolada e indefesa. Essa horda ainda se apoderava do gados dos inimigos de João André, que teve seu poderio reforçado com as tropas dos Inhamuns, sob o comando do Capitão João de Araújo Chaves, José do Valle e Costa Braga, fez-se ditador em toda a região. Em 26 de outubro de 1824, organizou uma junta de governo, sob a presidência de seu irmão, o padre Felipe Benício Mariz, chamada de “Comissão Matuta“. João André tornou-se senhor das vidas e das fortunas dos habitantes do Icó.
Da família Cavalcante, dois já estavam mortos, o patriarca Francisco Cavalcante e o amigo Joaquim Fernandes Moura, conhecido como “Caga-é”. Da família Espírito Santo, aliada dos Cavalcantes, já haviam matado Mendonça, fuzilado pela comissão matuta, e Manoel do Espírito da Paz, morto na Serra do Camará.
Antonio Cavalcante estava servindo no Rio da Prata, Joaquim e José eram cadetes do exército e estavam na capital, no tempo da morte de seu pai. José pediu licença ao comandante para ir buscar suas irmãs no Icó, e lá chegou no começo de 8125. Com medo de ser morto, deixou a vila furtivamente para tratar dos arranjos da viagem. Seguido por um dos assassinos de João André, José foi atacado a facadas no lugar Santo Antonio, só não foi morto, graças a esposa de Joaquim Ferreira da Silva, que conseguiu entregar-lhe uma pistola, com a qual se defendeu.
Altas horas da noite, voltou para casa e foi acolhido com grande segredo. Estava quase morto, as roupas encharcadas de sangue e coladas ao corpo, as botas cheias de sangue coagulado. Ninguém quis ajuda-lo, nenhuma botica se abriu, nenhum médico foi socorre-lo, por medo de João André, que só não invadiu a casa para terminar o serviço, porque supôs que José não sobreviveria, tão ferido como estava.
José Cavalcante por duas vezes se sacramentou, e durante a madrugada, na lagoa d torre, pegou seu cavalo e partiu para Fortaleza, ainda com os ferimentos sangrando, disfarçado vestido de mulher, na companhia de um velho escravo, uma irmã e uma caridosa senhora que ia cuidando de suas feridas. Era tão grande o medo que as mulheres sentiam de João André, que largavam seus parentes e iam embora para Fortaleza. José conseguiu sobreviver, e morreu na guerra, tempos depois.
Em 1826 João André mandou matar, dentro da vila, o seu adversário Capitão Manoel da Cunha Freire Pedrosa. Dizem que esse assassinato foi articulado em parceria com José Galdino Teixeira, padre violento e matador, sobrinho de João André, que foi morto em 30 de maio de 1844 no lugar Cobra, distrito de Santana do Brejo Grande, onde exercia o sacerdócio. Esse crime foi atribuído ao Capitão Raimundo Correia.
O reinado de terror de João André continuava, em plena luz do dia, numa das principais ruas da vila, mandou castrar o negociante português Manoel Francisco, sem que ninguém tivesse coragem para intervir, ficando o infeliz despido, nos braços de sua esposa, que nada pode fazer.
Terminada a guerra da Cisplatina, Antonio Cavalcante retornou ao Rio de Janeiro, e dali não o deixaram sair. Injurias e ameaças fazia contra o governo, tomou parte nas desordens conhecidas como “Garrafadas”, nas quais lhe atribuíram muitas mortes praticadas nas Ruas do Rio de Janeiro, até que finalmente, após 0 7 de abril, o mandaram de volta ao Ceará.
Declarada a revolta de Pinto Madeira, Antonio Cavalcante foi enviado para as forças que o combatiam, e aproveitando a situação, empenhou-se em acabar com a vida de João André, que escapou de todas as diligências que ele empregou para mata-lo, ajudado por Agostinho, que também desejava livrar-se de João André, para assumir seu posto. Antonio Cavalcante, visto com maus olhos pelo Gal. Labatut, por causa dos excessos que cometeu, foi mandado de volta para a capital, onde não se portou melhor, revoltando-se juntamente com outros, contra o Presidente José Mariano.
Em 9 de janeiro de 1833, houve no Icó a eleição para postos da Guarda Nacional, Agostinho, afrontado pelo ouvidor Rocha Bastos e por João André, prometeu trazer de volta Antonio Cavalcante, e João André assegurou que caso voltasse, mataria o Cavalcante.
João André foi para Pedras de Fogo vender gado e cavalos, Antonio Cavalcante, que por influencia de Agostinho, já estava a caminho do Icó, recolheu-se em Aracati, receando ser morto. Voltando, porém, ao seu propósito, efetuou a viagem. Em 30 de julho, saiu do Icó para São Mateus, à frente de sua tropa. Por volta das quatro horas da tarde, ouviu-se o barulho dos tiros que vinham da mata, matando Antonio Cavalcante com um tiro na cabeça. Os soldados o puseram numa rede e o conduziram ao Icó, onde foi sepultado. dizem que o responsável por essa morte, foi a filha e João André, que 9 anos antes, evitou que Antonio o matasse, deitando-se sobre a cabeça do pai.
Antonio Cavalcante era de uma frieza indomável, e uma bravura louca e arrebatadora, principalmente quando consumia bebida alcoólica Em combate, no dia 04 de abril de 1832, retomou Icó das forças legalistas que a tomaram, nesse ato, matava a todos que encontrava, armados ou desarmados, sãos ou feridos. Até um oficial da expedição de Labatut, foi publicamente ferido pela espada de Antonio. Sua morte causou grande terror na sua desprotegida tropa.
Nunca tinham ousado denunciar João André por seus crimes, dessa vez porém, foi processado pelo Juiz de Paz do distrito de Telha, Ten. Cel. José Cavalcante de Luna e Albuquerque, inimigo com quem tinha questões de terra. Em 20 de setembro de 1833 luna assinava seu despacho contra João André, seu sobrinho o Padre José Galdino, Seu genro Antonio Bastos e outros mais, como mandantes e mandatários, e a 18 de setembro de 1834, era assassinado.
O presidente Alencar tomou posse no dia 6 de outubro de 1834, e logo tomou conhecimento desse crime, ordenando a captura de João André. Deu essa missão ao Cap. João Pereira da Silva, conhecido como “Cara Preta”, a quem sempre dava as missões mais perigosas, como forma de vingar-se pelo que ele havia feito sofrer sua mãe Bárbara, quando “Cara Preta” a conduziu do Crato para a capital, em 1817. Em parceria com Agostinho, no Icó, Cara Preta conseguiu prender o criminoso na Serra do Camará, onde foi conduzido ao Icó, e em dezembro, para São Matheus, onde iria ser julgado.
Joaquim Cavalcante de Bulhões, último dos irmãos Cavalcante, fora mandado para servir em São Matheus. Durante a viagem encontrou-se com Francisco Ferreira Lima, Joaquim o fez ajoelhar-se e rezar o ato de contrição, em seguida o matou friamente, com pequenas facadas, pois acreditava que Francisco Ferreira havia contribuído para a morte de Antonio Cavalcante.
João André entrou em São Matheus em estado deplorável, entre duas alas de soldados, algemado, montado num cavalo magro, puxado pelo cabresto por um praça de arma no ombro. Tinha as pernas amarradas, o corpo pendido para frente, malvestido e coberto de pó. Seus inimigos só falavam em enforcamento. Em frente a prisão, montaram os postes para a forca, os soldados de Joaquim Cavalcante limpavam as armas para o evento. Com a suspeita que Inácio Brígido, mesmo sendo inimigo de João André, iria fazer sua defesa, Joaquim mandou colocar cacetes nas portas do defensor, ameaça muito comum naqueles tempos.
O julgamento aconteceu em 19 de dezembro de 1834 e foi breve. O promotor João Bastos de Oliveira concluiu sua acusação dizendo que o réu “… era um homem fera, desregrado do sangue precioso da humanidade.” João André foi condenado a pena de morte. O Capitão-Mor da vila, Gonçalo Baptista Vieira, homem muito respeitado, revoltou-se contra a sentença, que considerava um grave pecado, e o juiz foi abrigado a apelar para o júri da capital, como era a lei da época. Desesperados, os inimigos de João André resolveram mata-lo na viagem de volta a cadeia do Icó, entregando-o a Veceslau de Oliveira Cabral, aliado de Agostinho, mas o Capitão-Mor Batista, prometeu-lhe segurança até o Icó. Em Fortaleza, João André seria julgado no dia 20 de junho de 1835 pela morte de Antonio Cavalcante. O julgamento não aconteceu por causa de uma desordem política que dissolveu o tribunal. Voltou a julgamento no dia 12 de novembro do mesmo ano, e foi unanimemente absolvido. No Icó foi condenado pela morte de Cavalcante de Luna, mas a pena foi transformada em 20 anos de exílio no Rio Negro. Nesse julgamento, foi acusador o Padre Verdeixa, que promoveu no tribunal, cenas cômicas e obscenas.
Na administração de Pires da Mota, João André voltou ao Ceará, ficando de quarentena em Jacarecanga, onde tentou matar um companheiro. Retornando ao Icó, começou novas brigas, agora com os novos donos de seus bens, que haviam sido vendidos em sua ausência. Faleceu em 1874, com quase cem anos de idade, e até o dia de sua morte, nunca deixou de promover continuas brigas.
Fonte: Ceará, Homens e fatos, João Brígido