“Relação do Maranhão” – Breve resumo – Parte 2

Relação do Maranhão é o nome do relato do jesuíta padre Luiz Figueira onde narra sua passagem pelo Ceará, de 1607 a 1608, juntamente com o padre Francisco Pinto com a missão de catequizarem os índios.

Foram informados que para seguir caminho a partir dali, teriam que enfrentar várias tribos Tapuias selvagens com histórico de canibalismo, pelas quais só se passaria derrotando-os em luta ou subornando-os com presentes. Estes encontravam-se da serra da Ibiapaba até o Maranhão, sempre armados com arco e flecha, eram violentos, desconfiados, matavam ou escravizavam qualquer mensageiro que lá chegasse. Tinham ainda por costume comer a carne dos seus mortos e beber os ossos moídos, para que não sentissem saudade dos falecidos.

Os padres foram orientados a conquistar a paz com os Tapuias, pois não dispunham de pessoas suficientes para defendê-los, assim sendo, mandaram mensageiros com um machado, facas e fumo como presentes para o chefe. Como era costume serem saqueadores, os que encontravam os mensageiros pelo caminho iam roubando-lhes os presentes, de nada adiantando dizer que eram para o superior, dessa forma, chegaram no destino apenas com uma faca. Voltaram depois de um mês com a exigência de levarem mais presentes para todos, missão impossível, pois eram muitas tribos com 60, 80, 100 casais cada.

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ALDEIA DOS TAPUIAS – POR RUGENDAS

Novamente os mensageiros voltam aos Tapuias com  mais presentes e a orientação de esclarecê-los sobre qual era a missão dos padres. Ao mesmo tempo, mandaram apelo de paz ao chefe “Milho Verde” e ao chefe da tribo do mar “Cobra Azul”. O grupo que foi ao encontro de Milho verde não conseguiu chegar pois foi impedido pelos Tapuias. Os que foram até o chefe Tapuia entregaram os presentes e ficaram 3 como reféns enquanto uma índia escravizada foi até os da Ibiapaba para constatar realmente quem eram os tais padres. Alguns dias depois ela retornou com mais presentes  para seu algoz, mas a cobiça daquele povo era infinita, nada bastava para eles.

O outro chefe das tribos do mar, chamado “Algodão”, soube da passagem dos jesuítas e de como pregavam a paz e a liberdade e quis conhecê-los pessoalmente. Passou então na casa de Cobra Azul, levou com ele um filho deste e mais 4 ou 5. Foi com enorme alegria que Algodão constatou ser tudo verdade, e juntamente com o filho de Cobra Azul, que falava em nome do pai, selaram a paz com os da Ibiapaba para que todos fossem morar perto do mar.

Partiram depois de 4 meses, era 17 de fevereiro, com o intuito de fazerem a paz com os Tapuias. Encontraram, distante da aldeia umas 5 léguas, com alguns índios do Maranhão, que haviam fugido dos franceses. Veio falar-lhes o chefe chamado “Mandiaré” dando-lhes ciência do que se passava por lá. Por decisão do grupo, os padres tiveram que ficar ali até que colhessem a safra e Mandiaré tivesse suprimentos para voltar ao Maranhão e resgatar os seus.

Pela terceira vez mandaram mensageiros aos Tapuias, mas usando de sua costumeira crueldade, queimaram-os vivos deixando somente um para que mostrasse o caminho até os padres com a intenção de mata-los. O chefe dos bárbaros mandou então um mensageiro Tapuia, presumindo que este seria morto pelos da Ibiapaba, para dar certeza aos jesuítas que fariam tal coisa.

Certa manhã enquanto mandavam um índio às tribos do mar para informar-lhes que estavam descendo a serra, foram surpreendidos pelos Tapuias, sendo atacados a flechadas. O padre Francisco Pinto se encontrava dentro de casa fazendo suas orações quando esta foi invadida. De nada adiantou os apelos de que aquele era o padre “Abaré” que com eles buscava a paz, pois queriam matar-lhe a todo custo. Um índio fiel e devotado chamado “Antonio Carajipocu” tentou protege-lo e o defendeu até a morte, quando chegaram onde estava o padre, este encontrava-se com os braços abertos em forma de cruz, foi atacado e morto violentamente a pauladas, tiraram-lhe as roupas e levando-o para fora o cobriram com terra e o pau do ataque, cheio de sangue.

O padre Luiz Figueira fugiu pela mata com um jovem índio que corria adiante abrindo-lhe caminho, enquanto num gesto de bravura incontestável, dizia que morreria com ele. Os agressores saquearam toda a aldeia além de matarem e sequestrarem os outros. Quando finalmente fez-se silencio, o padre Luiz Figueira retornou a aldeia e viu toda a destruição e o corpo do padre Francisco Pinto. Lavaram-no o rosto e a cabeça, vestiram-lhe com uma peça de roupa que restou do saque, puseram-no numa rede, desceram a serra e o sepultaram, cobrindo o túmulo com pedras e puseram uma cruz. Ainda agonizava o índio Carajipocu e mais outro, que após receberem a extrema unção, faleceram e foram sepultados ao lado do padre.

Depois de alguns dias, todos se juntaram ao chefe Diabo Grande e choraram pelo padre morto, deixando crescer o cabelo e pintando-os em sinal de luto. Selaram então, um pacto que tão logo colhessem a plantação, iriam ao encontro do padre Luiz Figueira que seguia em direção ao mar para a aldeia de Cobra Azul, distante 30 ou 40 léguas dali. Passados 17 dias chegou ao destino sendo recebido com indiferença pelo mesmo. Ao invés de acolhe-lo como era costume por onde passava, Cobra Azul, grande feiticeiro e valentão com ar de soberba, deu-lhe uma roça para plantar, mesmo sabendo que ele e seus seguidores não tinham como faze-lo por causa da desnutrição que os consumia, mas mesmo assim, aceitou a terra e foi cultiva-la. A plantação morreu vítima da seca e da peste de formigas. Por 4 meses, se alimentaram apenas de peixe e frutas, pois nada recebiam de Cobra Azul.

Enquanto os da Ibiapaba se preparavam para ir ao encontro do padre, Diabo Grande encheu-se de fúria induzido pelos feiticeiros e assim amedrontou seu povo dizendo que o jesuíta os entregaria aos brancos para vingar a morte do padre Francisco Pinto. Por não poder estar lá pessoalmente para dissuadi-los de tal ideia  de nada adiantou suas negativas enviadas por mensageiros. O conselho então mandou Diabo Grande acompanhado de Diabo Ligeiro e Carapecu, conversar com ele levando 2 alqueires de farinha como presente, o qual o padre dividiu com toda a aldeia, pois já passavam fome, com essa atitude, ganhou a admiração e respeito de todos.

Certo dia, entrou numa cabana onde estava Cobra Azul com outros e pediu que este lhe mandasse fazer um arco para poder caçar, o qual foi negado pelo chefe. O padre argumentou e isso despertou sua fúria vindo a compará-lo a Pero Colho de Sousa que dava ordens em terra alheia. Saiu dali e entrando em sua cabana, ameaçou matá-lo ao mesmo tempo que sua prima/sogra, ameaçou canibalizá-lo. Tal fato foi presenciado pelos seguidores do padre que o informaram do fato, a partir daí, e temor o acompanhava todas as horas do dia e da noite. Cobra Azul pede a um dos da Ibiapaba sua filha para esposa, mas como já tinha duas, o padre impede o pai de dá-la, o que despertou mais ainda mais sua fúria, ordenando que tomassem sua roça de volta. Cheio de temor e angústia, foram os seis meses que passou por lá.

Alguns índios da Ibiapaba vieram relatar que viram o espírito do padre Francisco Pinto próximo a sua sepultura, o feiticeiro interpretou que isto era o falecido dando sinal de que proveria alimento para eles, assim, ficaram felizes por estar o jesuíta enterrado em suas terras.

O padre Luiz Figueira mandou pedir a uma aldeia localizada as margens do Rio Ceará que fossem buscá-lo, levassem mantimentos e o ajudassem a passar pelos Tapuias. Estando esta comitiva de partida para resgatá-lo, foram impedidos por uma enorme tempestade. Cobra Azul, o moço, filho do chefe, mas de boa índole, valente e admirado pelos outros, desejava ir com o padre como também levar o pai e parentes. Em vão tentou convencê-lo, como não teve êxito, no dia seguinte bem cedo, desafiou o pai dizendo que iria levar o padre ao seu destino. No dia da partida quase toda a aldeia foi com eles, ficando Cobra Azul e crescendo seu ódio por ver seu filho indo embora com o Abaré. A generosidade de Cobra Azul, o moço, era infinita, mesmo aborrecido, disse ao padre que estava indo porque o pai o havia pedido e tentava justificar seu comportamento rude.

Chegando o grupo a aldeia do rio Ceará, foram recebidos com festa e lágrimas por verem parentes há muito desaparecidos fugindo dos brancos. Era desejo do padre reuni-los todos em uma única aldeia, pois não passavam de 800 pessoas, espalhados em 7 ou 8 aldeotas, nada se comparando ao grande número que existia anteriormente.  Convenceu os chefes a se unirem e roçar em determinado lugar, traçou um local para as casas e levantou uma bela cruz de cedro que foi erguida no dia de são Lourenço, passando a aldeia a ter esse nome. Depois disso seguiu de navio com  160 índios para o Rio Grande onde foram recebidos pelo capitão-mor Jeronimo Dalbuquerque, Antonio Ferreira e Diogo Nunes.

Fonte: Revista do instituto do Ceará
Jaqueline Aragão Cordeiro

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